AS NOVE COMPETÊNCIAS MAPEADAS PELO GURU DE GESTÃO DE PESSOAS DAVE ULRICH REVELAM AS EXPECTATIVAS DO MERCADO SOBRE O ATUAL PAPEL DO LÍDER DE RECURSOS HUMANOS E OS DESAFIOS DE QUEM ATUA NA ÁREA
TATIANA SENSIN
Complexidade. Essa é a palavra que melhor define a vida do líder de recursos humanos hoje, profissional cujo papel nunca se discutiu tanto como agora. Impulsionado pela necessidade de oferecer maior impacto nos negócios e conduzir inovação, o CHRO (sigla para Chief Human Resource Office, em inglês,o chefe de RH) vem sendo pressionado a usar ferramentas de análise de dados, como já fazem os líderes de marketing e vendas, e cobrado a usar sua experiência e julgamento para antecipar tendências e preparar a companhia para diferentes cenários. Espera-se também que ele aponte as implicações de mão de obra durante as reuniões estratégicas, levantando questões sobre o tempo e custo de contratação, por exemplo. Cobra-se ainda que ele seja ousado e indique os pontos fracos da organização, propondo soluções. Se puder, é recomendável inclusive que ele sinalize ao presidente a rota a ser tomada. E que seja a melhor.
Com tantas expectativas, é comum empresários e chefes de negócios reclamarem dos gestores de RH. Uma pesquisa global da consultoria Deloitte mostra que apenas 5% dos CEOs considerem excelente o desempenho do líder de gestão de pessoas da sua organização. Só um terço enxuga no CHRO a reputação necessária para as decisões de negócios. Não deveria ser uma surpresa, portanto, que a rotatividade do líder de RH das 100 maiores corporações dos Estados Unidos, listadas anualmente pela revista Fortune, atingisse quase 40% nos últimos dois anos. Quatro de cada dez posições em aberto foram preenchidas por executivos de fora do RH, oriundos de outras áreas de negócios.
É nesse contexto que Dave Ulrich, reconhecido mundialmente como o guru da gestão de pessoas, traz o mais novo resultado do estudo que há 30 anos mapeia as competências dos profissionais de recursos humandos. Realizado por sua consultoria, a RBL GROUP, em parceria com a Universidade de Michigan, ambas do Estados Unidos, a pesquisa buscou respostas para questões como : qual a realidade atual dos negócios e com o RH agrega valor? Como o CHRO melhora o trabalho feito nas organizações? Quais as aptidões necessárias para as pessoas de RH hoje? Como essas habilidades influenciam a percepção dos interessados em relação ao indivíduo e ao resultado do negócio?
A VOCÊ RH teve acesso em primeira mão ao documento de mais de 80 páginas resultante do estudo. Na sua sétima edição, o levantamento contou com mais de 30 000 respondentes em todo o mundo, sendo 2 000 na América Latina. Com 23 parceiros responsáveis pela captação das informações regionais, essa foi a primeira vez, desde quando o mapeamento começou a ser feito, em 1987, que o brasil contou com um representante local – a escola de negócios ISE, comandada por Cesar Bullara, diretor do departamento de gestão de pessoas.
Ao entrevistar mais de 4 000 profissionais de recursos humanos e seus chefes, subordinados, pares, acionistas, clientes internos e externos, Ulrich e seu time perceberam que os RHs são muito rígidos consigo mesmos. Enquanto as pessoas de fora do departamento atribuem uma nota 4,18, de uma escala de 1 a 5 aos integrantes do Rhs, estes de autoavaliam em 3,98. “Nós, com frequência, somos nossos piores críticos, não percebendo nossas forças e fraquezas”, diz Mike Ulrich, filho de Dave Ulrich e codiretor do projeto.
Com uma lista de tarefas sem fim, os executivos de gestão de pessoas se sentem constantemente em débito e inseguros de seu papel. “É um problema de baixa autoestima”, diz Felipe Westin, dono da consultoria de gestão que leva seu sobrenome e ex-líder de recursos humanos de multinacionais como Monsanto e Bristol-Myers Squibb. “Precisamos entender que o RH está em um nível totalmente compatível com outros profissionais de negócios.” De fato, a importância da área se comprova com o número de companhias que buscam pessoas com experiência em gestão do capital humano para compor seus conselhos administrativos – a mais alta instância de uma organização.
Theunis Marinho, que começou sua carreira em RH, chegou à presidência Bayer Polímeros e hoje é coach e conselheiro de diversas empresas, confirma. “O RH deixou de ser um mal necessário para ser um bem imprescindível. Mas uma andorinha só não faz verão”, diz. Para ele, o CHRO só conseguirá agregar valor e cumprir sua agenda se transformar todos os chefes da corporação – do diretor ao técnico de limpeza, seja com um ou 500 subordinados – em gestores de gente. “Quando você faz isso, o resultado se multiplica de tal forma que gera em “efeito Facebook””, diz.
Está na hora de o RH se empoderar. Conhecendo – e desenvolvendo – as novas competências mapeadas por Ulrich, certamente o gestor de pessoas aumentará sua contribuição ao negócio, bem como a percepção de seu valor por todos os interessados, os stakeholders.
O time de Dave Ulrich, aliado aos parceiros locais, conzuziu uma série de grupos focais com RHs e líderes de outras áreas para mapear as tendências de negócios e as oportunidades futuras. Concluídas as discussões, em meados de 2015, todos se reuniram em Londres para definir a lista de habilidades individuais, baseada no que descobriram de comum ou importante (veja imagem “Mandala das Competências”). “As nove competências derivam de uma análise estatística sobre mais de 120 itens pesquisados”, afirma Mike Ulrich. Com peso maior ou menor conforme o tipo de empresa e contexto, em geral, as nove aptidões são um bom modelo para quem segue a carreira em recursos humanos.
Para facilitar o entendimento, as capacidades foram agrupadas em três partes. As três básicas representam habilidades e entendimento de negócios em geral. No centro delas, um novo desafio para as pessoas do RH – o de lidar com paradoxos. “Esses profissionais estão constantemente lutando com tensões intrínsecas, como longo prazo versus curto prazo, operação centralizada versus descentralizada, foco interno versus externo etc. Isso deve ser resolvido em algumas circunstâncias e cultivado em outras, a fim de fazer o negócio andar”, explica Ulrich. As outras seis competências permitem ao RH traduzir a estratégia de negócios em ação individual. “Três desses facilitadores se concentram na construção e na formulação da estratégia corporativa (líder de mudanças e cultura, curador do capital humano e administrador de recompensa) e três são mais táticos (integrador de mídias e tecnologia, intérprete e designer de dados analíticos e gestor de obrigações)”, completa.
É a primeira vez que o estudo identifica tantas competências para o profissional de RH. E isso está em linha com a visão dos presidentes de companhias. Uma pesquisa global da consultoria PwC revela que 81% dos CEOs buscam hoje um maior número de habilidades do que faziam no passado. Para eles, as capacidades mais importantes para os líderes de amanhã são pensamento estratégico (32%), aquisição e gestão de talentos (20%), e adaptabilidade (19%).
Não são apenas as habilidades individuais que contribuem para a eficácia do RH, por isso os pesquisadores mapearam também a carreira do profissional, as práticas do departamento e as características organizacionais. Descobriram que pouco importa se o CHRO é homem ou mulher, expatriado ou não, formado em humanas ou exatas, se fala mais de um idioma, ou se fez carreira dentro ou fora do RH. Suas aptidões explicam mais sua efetividade do que sua experiência.
Por outro lado, quando se trata de valor percebido, os stakeholders reconhecem mais as atividades do departamento do que as habilidades do CHRO em si. “As competências individuais ainda são importantes. Mas, se em último caso, o RH se importa com a performance da corporação, então ele deve investir em políticas e práticas – não nos indivíduos”, diz Mike Ulrich. “Organizações com fortes sistemas de gestão de pessoas tendem a desempenhar melhor do que aquelas que apenas têm indivíduos fortes.”
A pesquisa mostra que, para conquistar o público interno, o RH deve investir em práticas integradas, como manter um modelo cultural para toda a organização, assegurar que os gestores ajam corretamente, resolver reclamações e problemas dos empregados e construir ou sustentar as competências-chave para o futuro do negócio. Já para encantar os agentes externos, o profissional precisa usar informações externas para trazer vantagem competitiva e ajudar na tomada de decisão.
COMPETÊNCIAS ESSENCIAS
Entre as três competências essenciais levantadas no estudo, o RH como “posicionador estratégico” interpreta o contexto da empresa, decodifica as expectativas dos stakeholders e compreende como operar o negócio. Contudo, o discurso de que o CRHO deve “conhecer o negócio” ganhou uma nova versão. “Ele tem de saber do business, sim, mas deve saber mais de gestão de pessoas”, afirma Alessandro Bonorino, vice-presidente de recursos humanos para América Latina da IBM. Segundo o estudo, essa é uma competência em que o profissional de recursos humanos navega bem. Para todos os stakeholders, além de saber se posicionar estrategicamente, o CHRO também já age como um “ativista com credibilidade”, capaz de influenciar os outros e ganhar confiança por meio dos resultados.
O calcanhar de Aquiles entre as competências essenciais é o “navegador de paradoxo”. Na opinião de Rosilane Purceti, líder de recursos humanos no Grupo Sanofi, isso acontece porque há um desequilíbrio entre as aptidões do RH. “Quando a gente encontra profissionais com forte lado humano, falta a eles a interpretação de indicadores. O contrário também existe: quando têm competência robusta em análise de dados, não conseguem cuidar da alma humana.” Esse descompasso começa justamente na inabilidade de lidar com os paradoxos. “Sem isso, o RH pode estar deixando de ajudar a companhia nas suas contradições, como ponderar as decisões de curto prazo e cuidar para que elas não desconstruam projetos que foram feitos no passado e vão se sustentar em longo prazo”, afirma a executiva.
Buscando um time de competências balanceadas, pela primeira vez, uma especialista em gestão de mudanças está ajudando a área de recursos humanos da farmacêutica a se redesenhar. Com lançamento previsto para o começo de 2016, o projeto faz parte de um contexto mundial que visa acompanhar a transformação da própria corporação, que busca operar menos com hierarquia e mais com colaboração. “Se num projeto for mais importante a análise de dados, a pessoa que tem mais forte essa habilidade irá liderar a equipe”, diz Rosilane, que participou do refinamento das duas habilidades identificadas como críticas para o RH da Sanofi: análise de dados e proteção da cultura.
FACILITADORES ORGANIZACIONAIS
Ainda de acordo com a pesquisa, o RH desenha a cultura, desenvolve talentos e é capaz de criar um significado ao trabalho de forma mediana. Para acionistas e proprietários, só 5% dos profissionais em recursos humanos são “campeões em mudanças e cultura” e “curadores de capital humano”. Para Joaquim Patto, líder de consultoria de recursos humanos na Mercer, o CHRO devia agir como um curador do capital humano – alguém que agrega as pessoas em torno de uma ideia e valores – desde quando disseram que a área iria acabar. Porém encontrar alguém com esse perfil “ainda é procurar agulha num palheiro”.
Para fazer essa curadoria, acredita Marcelo Arantes, vice-presidente de pessoas na petroquímica Brasken, o profissional precisa saber ler a organização. “Tenho de ter práticas, processos e rituais de longo prazo, que acompanhem a característica da empresa. E devo mostrar que estamos no caminho certo, em vez de entrar em dilemas a toda hora”. Diz Arantes. Há cinco anos, a Brasken produzia no Brasil e exportava parte da produção. Hoje opera na Alemanha, México e Estados Unidos. Para ser um curador do capital humano, o RH deve se perguntar: como preparar a liderança para lidar com o cliente global? Como dar atendimento ao cliente global? Qual cenário político e estratégico de cada país? Que papéis serão internacionais e quais continuarão locais? “A curadoria, mais do que desenvolver talentos, desenvolve talentos para onde o negócio está indo”, diz o executivo.
Foi dessa forma que, em 2011, Arantes identificou que 800 operadores de plataforma se aposentariam até 2015, e criou o projeto para formar profissionais. “Se não tivesse mapeado isso no passado, teria grave problema de mão de obra agora”, afirma. Um ano antes, ele tinha estudado o perfil da área de recursos humanos e previsto as habilidades necessárias para o amanhã. Desde então, a cada dois anos, ele reúne em São Paulo os 150 integrantes de seu time global para discutir o papel da gestão de pessoas para o próximo quinquênio. No último encontro, em 2014, dos quatro pilares definidos como meta para 2020, um foi a própria formação dos profissionais de RH.
Texto extraido da
Revista Você RH – Edição 41 – Dez/2015 – Jan/2016